domingo, 24 de janeiro de 2010


POEMA EM LINHA RETA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachadoPara fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos

segunda-feira, 5 de outubro de 2009




O TEMPO

Reginaldo Bessa

O tempo não é, minha amiga
Aquilo que você pensou
As festas, as fotos antigas
As coisas que você guardou

Os trastes, os móveis, as tranças
Os vinhos, os velhos cristais
As doces canções de crianças
Lembranças, lembranças demais

Você vem deitar no meu ombro
Querendo de novo ficar
Eu olho e até me assombro
Como pode este tempo passar

O tempo é areia que escapa
Até entre os dedos do amor
Depois, é o vazio, é o nada
É areia que o vento levou

O medo correndo nas veias
Deixou tanta vida pra trás
E a gente ficou de mãos cheias
Com coisas que não valem mais

E fica um gosto de usado
Naquilo que nem se provou
A gente dormiu acordado
E o tempo depressa passou

O tempo não pára no porto
Não apita na curva
Não espera ninguém



"Escrevo ou não escrevo? (...)Tenho medo de escrever.
É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades de mar (...)Escrever existe por si mesmo? Não. É apenas o reflexo de uma coisa que pergunta. Eu trabalho com o inesperado. Escrevo como escrevo sem saber como e por quê - é por fatalidade de voz. O meu timbre sou eu. Escrever é uma indagação. É assim:?"
Clarice Lispector







Eu te amo
Composição: Tom Jobim / Chico Buarque


Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Ah, se ao te conhecer
Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir
Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu
Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair
Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.


"Abandone-se, tente tudo suavemente, não se esforce por conseguir - esqueça completamente o que aconteceu e tudo voltará com naturalidade."
Clarice lispector - Laços de família

sexta-feira, 24 de julho de 2009



"Vejo muitas pessoas que não estão dando certo...Vejo muitas pessoas se desprenderem de suas verdadeiras essências...Vejo muitas pessoas cultivando verdadeiros e grandiosos jardins de infelicidades. Pessoas que morrem sem chegarem à terra prometida. Não gostaria que fosse assim.Fiquei sabendo que na China há um rio chamado Rio Amarelo que morre antes de chegar ao mar...Fiquei pensando que há pessoas que insistem em fazer o mesmo. Não permita que sua história seja semelhante à desse rio...Lute para chegar, lute para alcançar...Já dizia o poeta catarinense, Lindolfo Bel: "Menor que meu sonho não posso ser!".Assim seja...Assim façamos".
Pe. Fábio de Melo

terça-feira, 21 de julho de 2009



Eu não sei se a vida é que vai rápida demais ou se sou eu que estou mais lento. O que sei é que ando me atropelando nos próprios passos. Eu resolvi desacelerar. Eu vou no rítmo que posso. Não é fácil. É sabedoria que requer aprendizado! Eu quero aprender.O descompasso é a causa de todo cansaço. O corpo é rápido, mas o coração não. O corpo anda no compasso da agenda. O coração anda é no compasso do amor miúdo. O corpo sobrevive de andares largos. O coração sobrevive de pequenos passos e de demoras. Eu já fui e voltei a inúmeros lugares e o coração nem saiu do lugar.O mistério é saber reconciliar as partes. Conciliar um ritmo que seja bom para os dois. Eu quero aprender. Não quero o martírio antes da hora. Quero é o direito de saborear o tempo como se fosse um menino que perdeu a pressa. (...).Chega de vida complicada. Eu preciso é de simplicidade!

Pe Fábio De Melo
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sexta-feira, 17 de julho de 2009

Irremediavelmente

deviantart.com
Tinha verdadeira paixão por janelas. Era um mundo de possibilidades e lembranças. Rabiscava com os dedos, metáforas de uma vida sonhada. E em dias assim, dobrava os cotovelos e lambuzava-se de memórias. Percebia que a razão vacilava. Não se importava, pois os descaminhos se tornavam ternuras. A memória flamejava nos olhos e ria um riso que despetalava o infinito que nela morava. Tentava em vão encontrar a paz. Estava irremediavelmente presa. E por isso, fazia suas preces.
Débora
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